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  • Foto do escritorAntonio Vinicius Silva

CDC x Convenção de Varsóvia: Indenização por perda de bagagem – alteração de entendimento pelo STF.

A matéria sofreu relevante alteração de entendimento em 2017, pelo STF. Vejamos como era antes e qual é a solução atual.

A Convenção de Varsóvia foi editada em 12 de outubro de 1929. Ela foi incorporada à ordem jurídica brasileira por intermédio do Decreto nº 20.704, de 24/11/1931. A convenção de Varsóvia fixou tarifas para a indenização nas mais variadas situações. Por exemplo, morte, ferimento ou qualquer outra lesão ocorrida a bordo, ou nas operações de embarque ou desembarque (art. 17); perda, destruição ou avaria de carga ou bagagem, ocorridas durante o transporte (art. 18); atrasos no transporte de coisas ou pessoas (art. 19). Havia, como dissemos, a chamada indenização tarifada, isto é, a indenização era previamente delimitada à certas tarifas. Além disso, a empresa de transporte poderia se eximir da indenização, desde que provasse que havia observado todas as medidas necessárias para evitar o dano (arts. 20 e 21). O sistema, assim, como se percebe, operava guiado pela culpa presumida.


Trazemos essas informações apenas como contextualização histórica. Isso porque hoje já não somos regidos por ela. A jurisprudência do STJ, depois de alguma hesitação, acabou por se firmar, com solidez, no sentido da aplicação do CDC, e não da Convenção de Varsóvia, nas situações narradas. O STF, porém, ainda não se pronunciou sobre a questão, havendo votos recentes favoráveis à aplicação da Convenção de Varsóvia em detrimento do CDC. Além disso, outro fato relevante aconteceu: em maio de 1999 foi firmada a Convenção de Montreal. Ela, porém, só entrou em vigor em novembro de 2003, tendo sido então ratificada por 30 países, como previsto. No Brasil, ela passou a ter efeitos a partir do Decreto nº 5.910, de 27/09/2006. Posteriormente o STJ reafirmou sua posição: “A responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei nº 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao CDC. Precedentes” (STJ, AgRg no AREsp 567.681, Rel. Min. Marco Bellizze, DJ 04/11/2014).


É inegável que temos, entre passageiro e companhia aérea, uma relação de consumo. A prestação do serviço, por parte da companhia aérea, faz surgir, para o passageiro, a possibilidade de invocar o Código de Defesa do Consumidor, o qual, além de responsabilizar o fornecedor independentemente de culpa (art. 14), não traz limites legais para a indenização, nem admite que tais limites sejam contratualmente estabelecidos (art. 25 e 51, I). o CDC, além do mais, prestigia o princípio da reparação integral (art. 6º, VI).


Diga-se, aliás, que o STJ, de modo reiterado, vem negando validade às tarifas de indenização estabelecidas por lei. Não só em relação à convenção de Varsóvia, mas qualquer limite legal de indenização fixado em lei. Assim, “a estipulação do valor da indenização por danos morais não está restrita aos critérios do Código Brasileiro de Telecomunicações ou da Lei da Imprensa, podendo ser revisto neste Tribunal quando contrariar a lei ou o bom senso, mostrando-se irrisório ou exorbitante” (STJ, REsp. 416.846. Rel. Min. Castro Filho, 3ª T, j. 05/11/02, p. DJ 07/04/03).


Posteriormente a jurisprudência reafirmou tal orientação:

“Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a tarifação por extravio de bagagem previstas na Convenção de Varsóvia não prevalece, podendo a indenização ser estabelecida em valor maior ou menor, consoante a apreciação do Judiciário em relação aos fatos acontecidos” (STJ, AgRg no Ag 959.403, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior 4ª T. DJ 30/06/08).

No mesmo sentido:

“É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, após a edição do Código de Defesa do Consumidor, não mais prevalece a tarifação previstas na Convenção de Varsóvia” (STJ, AgRg no REsp 262.687, Rel. Min Fernando Gonçalves, 4ª T, DJ 22/02/10). Na mesma linha decidiu-se que as indenizações tarifadas previstas em convenções internacionais (Varsóvia, Haia e Montreal) não se aplicam ao pedido de danos morais, prevalecendo o CDC (STJ, AgRg no AREsp 83.338, Rel. Min. Carlos Ferreira, 4ª T, DJ 04/10/12).

Porém a solução dada à questão agora é outra. O Supremo Tribunal Federal, em 2017, alterou os rumos da controvérsia (CDC x Convenção de Varsóvia/ Montreal).


O STF, por sua maioria, ao julgar o RE 636.331, entendeu que os conflitos que envolvem extravios de bagagem e atrasos de voos (bem como os prazos prescricionais no transporte aéreo internacional de passageiros) devem ser resolvidos pelas convenções internacionais sobre a matéria que o Brasil ratificou. A tese destaca que “por força do artigo 178 da Constituição Federal, as normas e tratados internacionais limitadoras da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. O Relator do leading case foi Gilmar Mendes.


As citadas convenções, portanto, segundo o STF, são compatíveis com a Constituição de 1988. A Ministra Rosa Weber, em longo voto-vista, enfatizou que deve ser dada prevalência à concretização dos comandos das convenções de Varsóvia e Montreal, ratificadas pelo Brasil, às quais se confere status supralegal, de acordo com entendimento do STF. A Ministra, contudo, salientou que seu voto se restringe a danos materiais decorrentes de casos de extravio de bagagens e de prescrição.


Portanto, nesse contexto, à luz da decisão do STF, tem que: a) em caso de conflito entre CDC e as Convenções de Varsóvia ou Montreal, prevalecem essas últimas; b) a afirmação anterior só se aplica aos casos de transporte aéreo internacional, não nacional; c) o prazo de prescrição, nos casos de aplicação das convenções internacionais, é de 2 anos (isso porque a Convenção de Montreal, sucessora da Convenção de Varsóvia, estabelece o prazo de dois anos, superando neste ponto específico o prazo de cinco anos do CDC).


Resta, porém, um ponto que ainda está pouco claro: o novo entendimento se aplica apenas aos danos materiais ou também morais? O STF, no julgado citado, parece ir pela trilha de que o novo entendimento só se aplica aos danos materiais (pelo menos esse foi o caminho do voto da Ministra Rosa Weber). Porém as hipóteses tratadas no julgado pelo STF (extravio de bagagens e atrasos de voos) podem dar ensejo não só a danos materiais, mas também a danos morais. Entendemos que, caso haja danos morais, é aplicável integralmente o CDC, sem as limitações estabelecidas pelas citadas convenções internacionais.


Um outro ponto que deve ficar claro, independentemente da discussão anterior: a jurisprudência brasileira não costuma aceitar as chamadas indenizações tarifadas (isto é, o estabelecimento de um teto, um valor tarifado, para as indenizações por dano moral). Pouco importa que esse teto seja fixado por lei ou por dispositivo infralegal. Aliás, antes do STF entender que a lei de imprensa não havia sido recepcionada pela CF/88, o STJ havia decidido, em antiga súmula: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa” (STJ, Súmula 281). Ainda que a súmula tenha perdido sua razão de ser, cremos que o princípio que a norteou continua válido: as tarifas para as indenizações por dano moral, mesmo que feitas por lei, são indevidas e devem ser evitadas.

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