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  • Foto do escritorAntonio Vinicius Silva

Danos sofridos em hospitais públicos ensejam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC)?

Uma reflexão contextualizada.

1. Uma contextualização do tema

A responsabilidade civil do Estado é objetiva (CF, art. 37, § 6º), desde 1946, e está fundada na teoria do risco administrativo. Comporta as excludentes de responsabilidade civil. Abrange, em princípio, tanto os atos de império (julgar, por exemplo), como os atos de gestão (aluguel de imóvel particular). O Estado responde pelos atos de qualquer agente, desde o mais modesto até o presidente da República. Não é necessário que haja remuneração (mesário da justiça eleitoral que discute e agride eleitor pode fazer surgir à responsabilidade estatal). Nem é preciso, em todos os casos, que o agente público esteja em serviço (policial que fere ou mata com a arma da corporação, mesmo de folga).

A responsabilidade pode surgir em qualquer dos níveis federativos (União, Estados e até Municípios) e, em princípio, atos de quaisquer dos três poderes podem dar causa à indenização (leis inconstitucionais e erros judiciais – CF, art. 5º, LXXV -, por exemplo). A responsabilidade estatal tanto pode surgir de atos como omissões – embora, em relação a essa última, alguns exijam a prova da culpa.

A Constituição Federal – no art. 196 e seguintes – estatui, como garantia fundamental, as ações e serviços públicos de saúde, que “integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”. Esse sistema, baseado na participação da comunidade (CF, art. 196, III), é descentralizado e se destina ao atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. É financiado com recursos do orçamento da seguridade social da União, Estado, Distrito Federal e Municípios.

2. Respondendo a questão proposta

Considerar a prestação de serviços públicos – quaisquer que sejam – relações de consumo estaria de acordo com os princípios, categorias e normas do CDC. A vítima dos danos seria consumidor por equiparação (CDC, art. 17). Postula, nesse sentido, Tepedino: “Assim sendo, é de se aplicar os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e, portanto, a responsabilidade objetiva aos serviços médicos de saúde, cabendo o direito de regresso do Poder Público em face do autor do erro médico, quando for o caso, com base no dispositivo constitucional (art. 37, § 6º), que não diverge, neste aspecto, dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, também aplicável à espécie” (“A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea”, Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, t. II, p. 107).

Embora esta seja uma posição respeitável e – digamos mais – absolutamente harmônica com o sistema de consumo, a jurisprudência optou por caminho distinto. Vem-se entendendo que as regras do CDC devem ser invocadas – tratando-se de serviços públicos – quando o serviço é remunerado por meio de tarifa ou preço público (que não são tributos). Por outro lado, não se considera caracterizada a relação de consumo quando a atividade é prestada diretamente pelo Estado e custeada por meio de receitas tributárias (STJ, REsp 1.187.456, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, Dj 01/12/10).

Vale lembrar que tarifa ou preço público é a remuneração paga pelo usuário ao utilizar um serviço público específico e divisível, regido pelo regime contratual de direito público (um pedágio, por exemplo, operando por concessionárias, assumirá a forma de tarifa ou preço público). Tanto a tarifa como o preço público são fixados contratualmente e são voluntários. A taxa, ao contrário, é tributo, decorre de lei, sendo compulsório.

Para que haja serviço, nos termos do CDC, deve haver remuneração (CDC, art. 3º, § 2º). Não há remuneração direta no serviço de saúde prestado por hospital público, por isso, dizem, não se aplica o CDC (STJ, REsp 493.181, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, DJ 01/02/06). Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifas, regidos, portanto, pelo CDC. Diferentemente é a remuneração do serviço público próprio, que é feita por taxa (STJ, REsp 840.864, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 30/04/07). É interessante esclarecer que tais julgados não decorrem da terceira ou da quarta turmas do STJ, que habitualmente julgam questões de direito do consumidor, mas da primeira e segunda, que julgam habitualmente, questões de direito público, sobretudo administrativo e tributário. O tema, porém acaba sendo resolvido pelas turmas de direito público, mercê do envolvimento estatal.

Assim, em caso de erro médico que causou a morte de paciente, em hospital público, decidiu-se que “quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regas do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes” (STJ, REsp 1.187.456, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJ 01/12/10).

3. Conclusão

A prevalecer esta lógica jurisprudencial, teremos o seguinte: o CDC incide sobre serviços prestados no mercado de consumo. Em se tratando de serviços públicos, nem todos atraem a aplicação do CDC. Apenas serão objeto de relação de consumo aqueles prestados mediantes contraprestação específica. O usuário, deste modo, precisa ser individualizado (uti singuli). Devem, ainda, ser remunerados contratualmente por tarifa ou preço público. Desse modo, os danos sofridos pelos usuários de hospitais públicos estão fora da órbita das relações de consumo.

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