top of page
Buscar
  • Foto do escritorAntonio Vinicius Silva

Inadimplemento do consumidor x interrompimento elétrico

Qual a possibilidade das empresas fornecedoras de energia elétrica interromperem o serviço, ante o inadimplemento do consumidor?

O art. 22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Poderia a empresa, diante do dever de continuidade dos serviços públicos, proceder ao corte, máxime se comprovado ser o consumidor pessoa humilde, sem condições para arcar com os custos de energia?


Os julgados, com boas razões, tendiam a negar a possibilidade do corte: “Não resulta em se reconhecer como legítimo o ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção de seus serviços, em face de ausência de pagamento da fatura vencida. A energia, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço publico indispensável, subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção”.


Continua o relator: “O art. 22 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor assevera que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O seu parágrafo único expõe que, “nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código”. Já o art. 42 do mesmo diploma legal permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Tais dispositivos aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público”.


Segue argumentando: “Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente quando exercida por credor econômico e financeiramente mais forte, em largas proporções do que o devedor. Afrontarias, se fosse admitido, os princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. O direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni Iuri para sustentar deferimento de liminar a fim de impedir suspensão de fornecimento de energia elétrica. Esse é o entendimento deste Relator”.


Tal entendimento, todavia, foi superado, e hoje prevalece a tese contrária. O próprio relator do julgado acima transcrito assim conclui seu voto: “No entanto, embora tenha o posicionamento acima assinalado, rendo-me, ressalvando meu ponto de vista, à posição assumida pela ampla maioria da 1ª Seção deste Sodalício, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país, que vem decidindo que “é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, Art. 6º, § 3º, II)”. Finaliza o relator: “Com a ressalva de meu ponto de vista, homenageio, em nome da segurança jurídica, o novo posicionamento do STJ” (STJ, REsp. 841.786, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, p. !7/08/06).


Portanto, depois de muita oscilação, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido da possibilidade, aceitando que a empresa, após avisar ao consumidor, realize o corte, face ao inadimplemento. Eis os julgados recentes; “O art. 22 da Lei 8.078/90, dispõe que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser temperado ante a exegese do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes” (STJ, AgRg no Ag 768.854, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, p. 12/09/06).


“1. A Lei 8.987/95, que dispõe sobre regime de concessão e permissão da prestação de serviços previsto no art. 175 da Constituição Federal, prevê, nos incisos I e II do § 3º do art. 6º, duas hipóteses em que é legítima sua interrupção, em situação de emergências ou após prévio aviso: a) por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; b) por inadimplemento do usuário, considerando o interesse da coletividade. 2. Tem-se assim, que a continuidade do serviço público, assegurada pelo art. 22 do CDC, não constitui princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da Lei 8.987/95, que, em nome justamente da preservação da continuidade e da qualidade da prestação dos serviços ao conjunto dos usuários, permite, em hipóteses entre as quais o inadimplemento, a suspensão no seu fornecimento” (STJ, REsp. 657.770, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1º T. p. 17/08/06).

Os tribunais, pois, se colocaram no sentido de ser lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após prévio aviso, o consumidor permanece inadimplente no pagamento da respectiva conta (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 107.80.96, 2ª T, Rel. Min. Humberto Martins, DJ. 11/05/09).


A jurisprudência, porém, atenua o rigor do corte de energia elétrica e água em se tratando de serviços essenciais – escolas públicas e hospitais, por exemplo. Nestas hipóteses, a interrupção do serviço, colocando em perigo a população usuária, não pode ocorrer indiscriminadamente (STJ, REsp. Min. José Delgado, 1ª T, DJ 13/09/07). Há precedentes neste sentido. Há precedentes neste sentido. Assim, “mesmo quando o consumidor é órgão público, o corte do fornecimento de água está autorizado por lei sempre que resultar da falta injustificada de pagamento, e desde que não afete a prestação de serviços públicos essenciais, v.g., hospitais, postos de saúde, creches, escolas”. (STJ, AgRg na SS 1.764, Rel. para o acordão MIin. Ari Pargendler, Corte Especial, Dj 16/03/09).


A interrupção de prestação de energia elétrica, ainda não decorrente de inadimplemento, só é legítima se não afetar o direito á saúde e á integridade física do usuário (STJ, REsp 1.245.812, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, DJ 01/09/11). Com base nestes argumentos o tribunal entendeu inviável o corte no domicílio de pessoa portadora do vírus HIV, em razão da necessidade de refrigeração dos medicamentos.


É importante ressaltar que a jurisprudência só admite o corte da energia elétrica quando se trata de débitos relativos aos últimos meses do consumo. Em se tratando de débitos antigos, a fornecedora de energia elétrica deve se valer dos meios ordinários de cobrança: “É descabido o corte do fornecimento de energia elétrica nos casos em que se trata de cobrança de débitos antigos e consolidados nos quais devem ser reivindicados pelas concessionárias por meio das vias ordinárias de cobrança, sob pena de se infringir o disposto no art. 42, do Código de Defesa do Consumidor”. (STJ, AgRg no REsp 101.52.94, REl. Min. Castro Meira, 2ª T. DJ 19/08/08). É Portanto, ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando a inadimplência do consumidor decorrer de débitos consolidados pelo tempo (STJ, AgRg no Ag 140.1587, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T. Dj 17/10/11). Portanto, a cobrança de valores deve ser feita pelos meios ordinários de cobrança, não pela suspensão do fornecimento.


Posteriormente, precisando os critérios que se impõe como necessário à validade do corte administrativo de fornecimento de energia elétrica, a jurisprudência afirmou de modo analítico: “Em síntese, para que o corte de energia elétrica por motivo de inadimplência seja considerado legítimo, a jurisprudência do STJ exige que: a) não acarrete lesão irreversível à integridade física do usuário; b) não exista discussão judicial da dívida; c) não decorra de débito irrisório; d) não derive de débitos pretéritos e, por fim, e) não tenha origem em dívida por suposta fraude no medidor de consumo de energia apurada unilateralmente pela concessionária” (STJ, AgRg no RMS 19.748, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, DJ 11/12/09).


O corte também não pode ser realizado se os débitos inadimplentes se referem a usuário anterior do imóvel. Nesse sentido, o “STJ pacificou o entendimento de que é ilegítimo o corte de energia elétrica por débitos pretéritos de outro consumidor, devendo a companhia utilizar os meios ordinários de cobrança para reaver seu crédito” (STJ, AgRg no RMS 19.748, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, Dj 11/12/09).


Diga-se, por fim, que qualquer caso “é legítimo o corte administrativo no fornecimento de energia elétrica sem aviso prévio ao consumidor inadimplente” (STJ, AgRg no Ag. 118.3443, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, DJ 11/12/09). O aviso prévio, portanto, sempre e necessariamente se impõe, como medida prévia antecedente ao corte. O STJ reafirmou que é ilegítimo o corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando: a) a inadimplência do consumidor decorrer de débitos pretéritos: b) o débito originar-se de suposta fraude no medidor de consumo de energia, apurada unilateralmente pela concessionária; c) inexistente aviso prévio ao consumidor inadimplente (REsp 1.285.426, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T, DJ 13/12/2011. No mesmo sentido: AgRg no AREsp 211.514, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, DJ 05/11/12).


Segundo o STJ, tanto o débito de água como o de energia elétrica são de natureza pessoal, não se vinculando ao imóvel (STJ, REsp 890.572, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 13/04/10). Não são, portanto, obrigações que a doutrina denomina de propter rem, ou seja, obrigações que acompanha a coisa.

22 visualizações0 comentário
bottom of page