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  • Foto do escritorAntonio Vinicius Silva

O que consiste a indenização pela teoria da perda de uma chance no direito do consumidor?



A teoria da perda de uma chance ganhou enorme projeção teórica, maior, talvez, do que a sua real dimensão prática justifique. Consiste, essencialmente, na indenização da chance perdida. Em outras palavras, se alguém destrói a chance – razoável e real, não imaginativa ou fictícia – de outrem, a teoria poderá ter lugar. Por exemplo, como já se decidiu, configura perda de uma chance a postura do médico que, após ter diagnosticado pneumonia dupla, recomendou tratamento domiciliar ao paciente, ao invés de interna-lo. Privou-se, desse modo, o paciente da chance do tratamento hospitalar, que talvez o tivesse salvo. Já se decidiu que a perda de uma chance se aplica tanto aos danos morais quanto aos materiais (STJ, REsp 1.079.185, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, Dj 04/08/09). Outro exemplo: Digamos que um advogado, contrariando recomendações expressa de seu cliente, deixa de interpor um recurso destruindo, assim, a chance do cliente ver discutida a sua pretensão nos tribunais superiores – transitado em julgado a demanda. Sobretudo se os tribunais, posteriormente, firmarem posição no sentido do recurso não interposto, o dano estará caracterizado.


Em mais um exemplo, se, em virtude de cancelamento de voo, o passageiro, candidato de concurso público, deixa de realizar prova na qual, suponhamos, já teria sido aprovado em três, num total de quatro etapas, para o cargo de juiz de direito. A teoria da perda de uma chance, aplicada à espécie, poderia condenar a companhia aérea pela frustação da possibilidade abortada.


Em determinado caso, um médico e professor universitário foi a um congresso em Washington, representando o Brasil na organização Pan-americana de saúde. Na volta, surpreendeu-se com o extravio de bagagem, que continha materiais didáticos, projetos, estudos, presentes, etc. No dia seguinte ao retorno, prestaria um exame de seleção de mestrado. O abalo psíquico, segundo o médico, aliado à perda da bagagem (contendo material de estudo) foi a causa da reprovação na seleção. Ele foi indenizado pelos danos morais, mas não, como pretendia, com o valor correspondente à bolsa integral que teria se fosse aprovado no mestrado.


O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao votar, ponderou:

“Entendo que a companhia aérea não pode ser condenada a indenizar o valor integral da bolsa que o autor perdeu por ter prestado concurso em condições psicológicas adversas. É possível que esse incidente lhe tenha trazido um transtorno, abalando-o a ponto de não prestar um bom concurso. Deve ser indenizado por isso. Incluo até também uma parcela correspondente à perda da chance de prestar um melhor exame. Condenar a companhia aérea a pagar o valor da bolsa é dar como certo o fato que o autor teria sido aprovado no concurso, como também o fato de que não foi aprovado por causa do extravio. Como tudo isso são probabilidades, penso que a reparação deve ser deferida, mas não valor correspondente ao da bolsa” (STJ, REsp 300.190, 4ª T, DJ 18/03/02).

Definir o valor da indenização, em caos semelhantes, é sempre delicado e problemático. Sobretudo se a perda da chance estiver relacionada com danos morais, o que é possível (STJ, REsp 1.079.185, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª T, DJ 04/08/09). A tarefa de definir o valor da indenização é uma das muitas dificuldades que se põe diante da teoria da perda de uma chance. Em conhecido caso, um programa de televisão de perguntas e respostas (show do milhão) formulou pergunta sem resposta possível. A candidata preferiu não responder a pergunta e ficou com quinhentos mil reais já conseguidos anteriormente no programa. Pleiteou, depois, judicialmente, o complemento do valor. O STJ condenou o SBT a pagar cento e vinte mil reais – equivalente a um quarto do valor total que faltava, por ser a “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens. O Relator afirmou: “Não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao certo da questão”. (STJ, REsp 788.459, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T, DJ 13/03/06). O que é certo é que danos incertos e eventuais não têm guarida na ordem jurídica brasileira.


Se, por um lado, deve-se atentar para não se deixar danos sem a devida indenização, por outro é preciso moderação para não se indenizar inefáveis probabilidades. Assim, “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o improvável do quase certo, bem como a probabilidade de perda da chance de lucro, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas” (STJ, REsp 1.079.185, Rel Min. Nancy Andrighi, 3ª T, DJ 04/08/09). A chance – que se traduz na possibilidade de algo acontecer – é sempre incerta, mas deverá apresentar contornos de razoabilidade.


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