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  • Foto do escritorAntonio Vinicius Silva

Quais vantagens da aplicação do CDC para o paciente na responsabilidade civil por erro médico?


1. Considerações iniciais

Os médicos são profissionais liberais. Profissionais liberais exercem, com autonomia, seu mister profissional, sem subordinação técnica a outrem. Os profissionais liberais, segundo o CDC, apenas respondem culposamente pelos danos que causem (CDC, art. 14, § 4º). Poder-se-ia perguntar: haveria, normativamente falando, vantagem para o paciente em se aplicar o CDC, ao invés do Código Civil, sendo certo que a responsabilidade civil do médico, nos dois casos, é subjetiva, isto é, depende do elemento da culpa? A resposta afirmativa se impõe. Podemos, sem pretensão de exaustividade, citar cinco exemplos dessa vantagem para o consumidor: a) a possibilidade de inversão do ônus da prova em seu favor (CDC, art. 6º, VIII); b) a possibilidade de propositura da ação no domicílio do consumidor (CDC, art. 101, I); c) prazo prescricional mais dilatado (CDC, art. 27: cinco anos, e não três, conforme prevê o Código Civil); d) deveres de informação, por parte do médico e instituições de saúde, particularmente severos (CDC, art. 6º, III; art. 8º; art. 9º); e) invalidade de cláusulas contratuais que excluam ou mesmo atenuam o dever de indenizar, em caso de dano (CDC, art. 51, I).

Vejamos com um pouco mais de atenção cada um deles.

2.1 - Da inversão do ônus da prova

A inversão do ônus da prova, potencialmente falando, é instrumento que torna efetiva a responsabilização civil em casos de erro médico, evitando a “prova diabólica”, de difícil produção, e o espírito de corpo que impera nas corporações, quaisquer que sejam. A jurisprudência brasileira tem utilizado. Com alguma frequência, a inversão do ônus da prova em caos de erro médico (STJ, AgRg no AREsp 25838; AgRg no Ag 969.015; REsp 696.284).

Convém lembrar que na responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (acidente, previsto no CDC, arts. 12 e 14), a inversão do ônus da prova decorre da lei (ope legis), não sendo necessário aplicar a regra da inversão do art. 6º, VIII, do CDC (STJ, AgRg no REsp 1.085.123, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T, DJ 23/08/2013). Nesse contexto “o ônus da prova da inexistência de defeito na prestação dos serviços médicos é do hospital por imposição legal (inversão ope legis). Inteligência do art. 14, § 3º, I, do CDC” (STJ, REsp 1.331.628, Rel. Min. Paulo de Tarso, 3ª, T, DJ 12/09/2013).

Lembramos que a inversão pode ocorrer inclusive em processos coletivos (ação civil pública, digamos, ajuizada pelo Ministério Público contra determinado plano de saúde cujos pacientes não conseguem marcar consultas ou ser atendidos). A inversão do ônus da prova não significa que o fornecedor estará obrigado a arcar com os custos da perícia solicitada pelo consumidor. Poderíamos elencar que outras vantagens processuais de se invocar o CDC em casos de erro médico. É vedado, por exemplo, nas lides de consumo, a denunciação da lide (CDC, art. 88). Embora o CDC, em sua literalidade, vede à denunciação nas hipóteses do art. 13, parágrafo único, a jurisprudência terminou por assentar que a denunciação da lide é proibida em qualquer hipótese, nas relações de consumo (STJ, AgRg no AREsp 195.165, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T. DJ 14/11/2012). Não é possível, em nenhum caso, nos processos que têm como objeto relações de consumo, haver denunciação á lide (STJ, AgRg no AREsp 157.812, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T, DJ 02/08/2012).

2.2-Da possibilidade da propositura da ação no domicilio do consumidor

A possibilidade de propositura da ação no domicílio do consumidor – teremos, aí, mais um poderoso instrumento para tornar efetiva a reparação dos danos sofridos pelo consumidor (CDC, art. 6º, VI). Se, digamos, alguém, domiciliado em Salvador, vai até Brasília realizar determinada cirurgia, e sofre danos ligados ao procedimento, poderá propor a ação contra o profissional de saúde (ou contra o plano, ou contra ambos, solidariamente), na cidade de Salvador. A facilitação da defesa dos seus direitos, a propósito, está consagrada dentre os direitos básicos do consumidor (CDC, art. 6º, VIII).

2.3 – Do prazo prescricional mais dilatado

Se o paciente sofrer dano, um fato do serviço (acidente de consumo), vez que a relação entre médico e paciente como uma relação de consumo. Aplica-se, no caso, não o prazo prescricional do Código Civil (art. 206, § 3º, V, relativo à prescrição da pretensão de reparação civil), mas o prazo do CDC (art. 27, fato do produto ou serviço). O termo inicial para contagem do prazo prescricional em casos de erro médico se inicia quando a vítima toma ciência da irreversibilidade do dano (STJ, REsp 1.211.537, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, DJ 20/05/2013). Prevalece, em relação ao início da contagem do prazo prescricional, o princípio da actio nata, que significa basicamente que o termo do prazo prescricional é a data a partir da qual a ação poderia ter sido proposta. A ação só pode ser proposta quando a vítima – ou seus familiares, em caso de falecimento – conhece não apenas o dano, mas também quem foi o seu autor. Bem por isso o CDC, no art. 27, estatui que a contagem do prazo prescricional inicia-se “a partir do conhecimento da autoria”. O uso da conjuntiva “e”, ao invés da disjuntiva “ou”, é significativo e expressa bem o que ocorre. Um exemplo: Considere que uma idosa tome vários medicamentos de uso contínuo. Um deles causa-lhe cegueira. O prazo prescricional, na espécie, terá início não a partir da cegueira, mas a partir da descoberta de qual, dentre os medicamentos ingeridos, efetivamente causou o dano.

2.4 – Dos deveres de informação por parte do médico e instituições de saúde

A aplicação do CDC torna bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (CDC, art. 6º, III, art. 8º; art. 9º). É preciso esclarecer, em linha de princípio, que tais deveres de informação existem também nas relações civis amplamente consideradas, e não apenas nas relações de consumo. Mas é inegável reconhecer que nas relações de consumo tais deveres assumem cores particularmente fortes. O princípio da informação biparte-se em núcleo normativo dúplice: a) direito de ser informado e b) dever de informar. Os deveres de informação são deveres de conduta, exigem uma postura positiva e ativa. O médico que negligencia o dever de informação pode ser condenado a indenizar (STJ, 332.025, Rel. Min. Menezes Direito, 3ª T, DJ 05/08/2002). Informar corretamente, esclareça-se, é informar com clareza, de modo completo, útil e gratuito. A ausência de informação (ou a informação defeituosa) gera responsabilidade civil, desde que conectada, em nexo causal, a um dano de qualquer espécie. Diga-se ainda que os planos de saúde, ademais, devem observar uma boa-fé qualificada, uma boa-fé que leva em conta o leal cumprimento dos deveres de informação.

2.5 - Das cláusulas de não indenizar ou cláusulas de irresponsabilidade

Por fim, diga-se que as chamadas cláusulas de não indenizar, ou cláusulas de irresponsabilidade, são rechaçadas nas relações de consumo (CDC, art. 51, I). Se por ventura as admitíssemos, é bem provável que toda força normativa cogente do CDC se esvaísse. As relações de consumo são regidas, dentre outros princípios, pela reparação integral. Seja como for, cabe lembrar – como ponto tematicamente conexo – que a jurisprudência brasileira não aceita a chamada “indenização tarifada”, que são limites preestabelecidos para a indenização. Havendo dano, a indenização deverá ser integral. São inválidas, nas relações de consumo, as tarifações prévias da indenização estabelecidas por contrato, ou até mesmo por lei. A única exceção – a luz do CDC – ocorre quando o consumidor for pessoa jurídica. Nesse caso – é o único – a indenização poderá ser validamente limitada, conforme preceitua a parte final do art. 51, I: “Nas relações de consumo o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada em situações justificáveis”.

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